Publicado no Jornal de Notícias ( link aqui) em 27 de Maio de 2009
A característica mais marcante destes quatro negros anos de maioria absoluta do PS é o reforço, generalização e consolidação do fenómeno da corrupção. Na legislatura que ora termina, nem Governo nem Parlamento produziram qualquer medida eficaz contra a corrupção. Pelo contrário, tentaram legitimá-la e até incentivá-la.
A primeira machadada na democracia foi a criação desse nado-morto que é o Conselho de Prevenção da Corrupção. Constituído maioritariamente por directores gerais nomeados por Sócrates, não poderia ser nem sério nem competente. Ao fim de quase um ano de vida, não se lhe conhece mérito ou actividade relevante. Só pelo facto de existir e não actuar, funciona como entidade branqueadora, cumprindo assim objectivo inverso àquele para que foi criado. Deveria até designar-se de conselho de prevenção... do combate à corrupção.
O segundo e bem mais duro ataque foi desferido contra o regime democrático quando o Governo veio permitir a adjudicação, por ajuste directo, nas empreitadas de obras públicas para contratos até 5 150 000 euros. Livres de escolher os fornecedores que muito bem entendem, no secretismo dos gabinetes e sem dar qualquer explicação a ninguém, os políticos fazem pois muitas obras para mostrar serviço ao povo. Muitas e quanto mais caras melhor, para assim favorecerem os amigos de sempre, os construtores do regime. As contrapartidas estão patentes no enriquecimento obsceno de alguns políticos e começam já a ser visíveis em gastos sumptuosos nas campanhas eleitorais.
Mas o golpe de misericórdia no sistema político ainda estava para chegar, com a aprovação recente, no Parlamento, de legislação que permite donativos aos partidos, em numerário - em "cash", em notas, dinheiro vivo - de montantes até 1 250 000 euros; 50 vezes mais do que anteriormente estipulado. Numa atitude de cartel, os partidos praticaram o crime quase perfeito, que lhes permite alicerçarem o seu poder em cima de malas de dinheiro sujo.
Se não for vetada pelo presidente, esta lei abjecta do financiamento partidário constituirá a última peça num regime cuja arquitectura é propícia ao florescimento da corrupção. Os políticos irão adjudicar, sem nenhum controlo, obras da ordem dos cinco milhões de euros. E daqui poderão desviar, sem qualquer rasto, valores de aproximadamente um milhão de euros. Tudo legalíssimo. E abençoado pelo silêncio protector do Conselho de Prevenção da Corrupção.